domingo, 15 de agosto de 2010

A Filha do Rei

Ela sentou de frente pra mim. Três garrafas vazias já nos separavam na mesa, quando ela entrou na conversa. Todos descontraídos, sábado a noite, mas eu não pude aguentar quando ela disse aquilo. Arrastei minha cadeira para trás, fui até a porta do bar e acendi meu cigarro. 5 minutos depois, ela veio atrás:
- Você deveria ser menos infantil.
“Vadia”, pensei. Quem era ela?
- Porra, garota, não fode. Não sei se você percebeu, mas eu não preciso de ninguém tomando conta de mim.
Apaguei um segundo cigarro, e ia voltando ao bar...
- Não é o que parece. Você ainda deveria ser menos infantil, ...
Aquilo me tirou do sério, mas ela continuou
- ... não concordar com uma opinião não te dá direito de fugir dela.
- Não é meu dever ouvir merda de uma desconhecida. E porque eu fugiria de você?
- Porque tem medo.
- Medo de...?
- Medo de se apaixonar.
“Quem é essa doida?”, insistiu meu raciocínio, com raiva.
- Escuta aqui, garota...!
- Escuta aqui você, garoto. Dá pra calar a boca, parar de olhar pra si mesmo e me beijar logo?
Haha, “Macia”, pensava eu, ao tomá-la nos braços com certa relutância e começar a beijá-la.
Ninguém antes me disse o que fazer e no minuto seguinte ganhou um beijo daqueles.
4 minutos e eu estava de volta à mesa, tirando o isqueiro da jaqueta e o deixando com aquele puto, sem antes acender mais um cigarro.
- Hey, onde você vai, meu velho?
- Pro inferno - resmunguei - Vamos todos um dia.


Meia hora depois, voltávamos ao bar.
- E aí, onde você tava, cara?
- Ninguém vai pedir mais cerveja não, é?
- Onde você tava, porra?!
- Eu busco então.
Voltei com as engarrafadas. Ela devia ter ido no banheiro com a amiga.
- E então? - ele insistiu.
- Porra, cara, cê tá pior do que cadela no cio, caralho.
- Vá se foder, conta logo, porra. 


Abri espaço entre os dois e me sentei ao balcão.
– E aí, tá com uma cara de acabado hein, meu velho? – disse o outro.
- Longa história, cara.
- Conta aí, se a gente tá aqui pra alguma coisa, deve ser pra isso.
- Caras, vocês tem noção do que é conhecer uma garota, gostar dela de verdade, perder contato, e 8 anos depois reencontrá-la e ter um enrosco com ela? 
Comecei, agora ia terminar.
- Tipo, tentem lembrar do primeiro sentimento que tiveram por uma menina. Faz tempo, mas vocês já sentiram, certeza. Agora, tentem assimilar ao sentimento de uma gozada. O primeiro e o último sentimentos de amor na vida, pra vocês que não meditam. Foi o que eu senti na primeira foda com a minha agora ex-namorada. Foi único. E ela sentiu esse contraste também, eu pude ver nos olhos dela. A gente sempre se gostou, pra mim era amor. Só que aí, com um bom tempo de relacionamento já, ela vem e me fala que vai embora, vai estudar. Conheci ela aos 12, comi aos 22, e me despedi dela ontem. Como vocês se sentiriam?
- Puta, é assim que você tá se sentindo, velho?
- Calma. Além de não ter certeza de mais nada, vocês estariam putos, certo?
- Com certeza.
- E então, vocês se reuniriam com teus melhores amigos ou uma galera num sábado à noite, pra tentarem se desapegar dela, certo?. Nada mais racional, ou emocional, sei lá. Mas aí, imaginem que tenha aparecido uma garota nova no rolê. Pô, ela é gata, estilosa, bem jeitosinha, e já chegou te olhando. Mas no meio da conversa na mesa, ela fica defendendo um porra de um movimento sem causa, com aqueles mesmos argumentos furados que vocês já tão cansados de ouvir...
- Hm, tipo... Sex Pistols?
- É, você sacou a porra toda. Além de broxar, é pra deixar puto, meu.
- Nem fala...
- Então, nada mais lógico do que sair da mesa na hora e fumar um cigarro, sossegado, certo? 
- Opa!
- Só que e se, cinco minutos depois, ela colasse do teu lado na porta do bar, e te chamasse de infantil?
- Puta, que isso não aconteça comigo...
Então, contei-lhes o diálogo e o beijo totalmente inesperado.
- ... aí eu vim deixar o isqueiro contigo, porra.
- Naquela hora não era mais fácil falar que ia comer ela?
- Ah, foda-se, velho. O que me surpreendeu, é como ela não ligou em passar por cima do que eu tava sentindo. Ela foi a única coisa que conseguiu me arrancar um sorriso nas últimas 30 horas, sei lá. Foi como se eu estivesse comendo minha ex pela primeira vez de novo, aquele sentimento de garoto e homem, saca?
- O que tem de mais, velho? Ela tava afim de dar pra alguém e curtiu tua jaqueta, só isso. O mundo não é o teu coração não, ô malandrão. E quanto a teu sentimento aí, tu tava magoado e comeu uma gostosa, simples, pô!


Ainda sim, fiquei com os pensamentos trincados e matei minha gelada, enquanto a amiga dela voltava sozinha do banheiro.
Tentei disfarçar algum tipo de ansiedade inconveniente, mas ela não voltava. 
Depois de mais uns 3 copos, fui falar com a amiga dela:
- Hey, por acaso ela tá passando mal?
- Ela quem?
- A tua amiga, a gente voltou faz quase uma hora, ela foi ao banheiro e não voltou ainda.
- Que amiga?
- Porra, como “que amiga”? Com quem você foi ao banheiro?
- Ah, você tá falando daquela que entrou junto comigo? Ela veio puxando papo e tal, mas só se olhou no espelho e se despediu. Saiu  logo depois que entrou. Desculpa, não conheço ela não.


Agradeci, saí à caça dela, e não demorei a achar a jaqueta que ela tinha "emprestado" pendurada do lado da porta.
Afinal, quem era aquela delícia que pisou no meu coração pra abrir a minha calça?

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