sábado, 2 de maio de 2009

Desencontros No Cálido Cerne Dos Ossos

As notas do piano soavam decididas em meio à madrugada fria na qual eram executadas. As mais graves formavam o leito onde o contraste entre as notas agudas e a rouquidão da minha voz repousava e encantava a garota no sofá;
O chão da sala parecia ser feito de cristal, iluminado pelo luar que entrava pelas janelas abertas e refletindo todas as notas que estavam no ar.
Os retratos na parede assistiam ao espetáculo esperando o momento em que ela me abraçasse e me envolvesse em suas asas, largando todas as outras madrugadas para trás, restando apenas nossas sombras enluaradas e entrelaçadas no sofá, despretensiosas e torcendo para que o Sol não nasça, a noite eterna, a noite perfeita.

E mesmo sendo uma canção desconhecida, dançaríamos acima das nuvens, apenas observando a movimentação dos pássaros nas copas das árvores, os faróis dos carros tentando ofuscar o luar, os violões fazendo suas preces para um deus qualquer, os disparos cortando o ar e as notas; e riríamos de tudo isso, pois no coração a música permaneceria mesmo que o piano ruísse de sordidez e a voz fosse dilacerada pelos gritos de espadas vagas de sentimento.

E fora de nossos corações, só restariam as gotas d'água na lente da câmera e o som de outros mil pianos, todos tentando ser aquele piano da noite perfeita.