sábado, 20 de dezembro de 2008

Passos (E Tudo O Mais)

Havia perdido a vontade de escrever.
Estava cansado de noites perfeitas.
Talvez não fosse essa a arte de seu ser;

Aquela maldita raiva o consumira.
Eu queria fazer algo, mas não podia.
A única coisa que pude fazer foi assisti-lo morrer,
Enquanto punha meu capuz negro.

As preces há muito não eram atendidas.
As frases se encerravam sozinhas.
Estava morto, e dessa vez,
Nem ela poderia revivê-lo.

Ao ver a Morte chegar, achou graça.
Sempre a desafiara, e caído no chão,
Era ela quem ria:

- “Últimas palavras, amigo?”
- “Deveria ter vivido mais...”
- “Engraçado, é o que todos dizem...”
- “Droga, então serei apenas mais um na morte.”
- “Não. Cada morte é uma morte diferente, assim como cada vida.”
- “Dialogando com a Morte, onde fui parar?!”
- “No fim, amigo. No fim.”

Durante a caminhada, com dificuldade o fiz aceitar-me.

- “E para onde vamos?” Perguntou com fingido ânimo.
- “Para o fim, já lhe disse.” Repeti com a voz fatigada do resto do dia.
- “E quando chegarmos? O que faremos?” Indagou com um leve tom de receio.
- “Nada. Já lhe disse: é o fim.” A impaciência em minha voz mostrou-se sem medo.
- “Não pode acabar assim. Uma caminhada tão longa e só!” E a esperança ainda não o havia deixado.
- “Pois diria que é um desfecho perfeito.” Disse, com certo sarcasmo.
- “Uma caminhada final? Mas é banal! Por que não voarmos ou morrermos de vez, então?”
- “Não é assim que funciona.”
- “E por que não?” Levantou a voz, se achando o dono da situação.
- “Não sei. Não sou Eu quem faz as regras. Há coisas que precisa entender antes de morrer.”
- “É? E que tipo de coisas?” Fez sua última pergunta.

Com leve tom de triunfo na voz, lhe disse:
- “Que a tal caminhada final é conhecida como Vida.”

E a foice ao meu lado riu como no ensaio.

domingo, 14 de dezembro de 2008

A Quatro Livros De Distância

A quatro livros de distância,
Ah, o doce som dos passos.
De danças e de fugas.
“É só seguir os gritos, querida”
E encontrar todas as luzes de que precisarmos.

A três livros de distância,
Todos os sonhos jogados ao mar.
Além do cais, permanecem intactos.
Além dos quais, podemos achar nossas sombras.
“É só esperar a noite cair, querida”

A dois livros de distância,
Ah sim, a suave supremacia dos corpos.
Seja o que é e lute por ela.
“Não siga tudo que lhe é dito, querida”
Não lute por liberdade, mas sim, crie-a.

A um livro de distância,
As ausências de lógica que definem a Vida.
Nada que a define pode ser filosofado.
Demos graças à Vida por isso!
E isso é tudo aquilo que odiamos.
“Pode esperar um pouco, querida?”

E aqui, onde começa esta prateleira infinita,
Está tudo aquilo que amamos:
O doce som dos corpos jogados ao mar;
A suave ausência de lógica dos passos;
E todos os sonhos que definem a Vida.

“Vamos dar uma volta pela biblioteca, querida?”

domingo, 7 de dezembro de 2008

Pequeno Ensaio Sobre A Arte

[Ensaio realizado no Jardim Eléctrico, se me permitem dizer.]

No fim, todos os artistas percebemos que as artes não passam de besteira,
Que ninguém realmente passa uma mensagem com um poema,
Apenas brinca com as palavras como uma criança;

Que a música não passa de sorte com acordes,
Harmonias, melodias e letras vagas;

Que a pintura não passa de gotas de tinta,
Dispostas aleatoriamente,
Sem nenhuma mensagem de verdade;

Que o cinema e o teatro não passam de retratos do cotidiano,
E que nada de especial têm;

E como a arte é expressão da alma humana
Percebe-se que a humanidade é besta;

E assim nos divertimos com a bestialidade humana,
Pois sem isso, nada somos.
Vida é Arte.
Arte é Nada.
E dizer que a vida não é nada, é um sofisma dos mais baratos;

Vivamos, sejamos bestas, artistas e felizes.
Pois sem isso, nada somos.
E viva a bestialidade das notas das letras dos pingos de tinta das cenas da Vida!

Escrevo. Amo. Vivo.